16.7.11

Monstro

Ouviam-se passos no parque de estacionamento até agora silencioso como seria de esperar às três e meia da manhã. Era claro que se tratava de uma mulher pelo barulho dos saltos altos que se aproximava do carro preto no meio de tantos outros iguais. A sua mão alcançou a mala, aparentemente pequena, que parecia esconder as chaves do carro sempre que necessárias. Finalmente sentiu-as na ponta dos dedos e agarrou-as de imediato antes que, por alguma razão, decidissem desaparecer. Um vulto fora avistado na linha de carros paralela pela visão periférica da mulher dos saltos altos. A cabeça voltou-se de imediato para a tal linha paralela. Talvez o impacto daquele movimento não tivesse sido tão forte se não fosse o silêncio e a solidão que se vivia naquele parque de estacionamento um quanto ou tanto sombrio. A mulher dos saltos altos optou por ignorar tais pensamentos negros que vieram ao de cima na sua imaginação. De imediato tentou, sem sucesso, abrir a porta do carro já com as chaves fugitivas. Já não estava relaxada como antes. Foi numa questão de minutos que o seu humor mudou por completo e se viu preocupada com algo completamente novo e desconhecido. Petrificada, depois de muitas tentativas em abrir a porta do carro preto, voltou a sentir aquela presença que incomodava, que fazia o coração doer de tão forte que batia. Avistou outro vulto, agora tinha passado em todo o seu redor. Sentiu a sua face quente, corara de terror, o seu coração parecia que ia rasgar o peito de tanta dor que os batimentos causavam. As chaves do carro caíram-lhe das mãos pelo suor que tinha nascido, a mulher dos saltos altos tinha medo de se mexer um milímetro que fosse. Parou de respirar, arregalou os olhos, apurou os sentidos e tentou ouvir alguma coisa. Avistou uma presença incomum a espreitar por detrás do carro vermelho da ponta. Tinha uma respiração muito pesada. A mulher dos saltos altos apanhou de imediato as chaves do chão e tentou mais uma vez abrir o carro. Não havia muito mais que pudesse fazer. O carro não abria. Olhou pelo ombro novamente para a presença que a incomodava. Tinha uns olhos brilhantes que penetravam o olhar da mulher. Arrepiou-se. Os olhos, juntamente com a presença incomum e a respiração pesada, desapareceram. A mulher dos saltos altos olhou para todos os lados e, sem poder sequer reagir, sentiu algo a ir com toda a velocidade na sua direcção. Virou-se rapidamente e cegou. Sentiu o vento de algo a passar através dela. Estava aterrorizada, começara a gritar e a apalpar tudo o que conseguia. Sentiu a respiração pesada na pele e parou. Sentia a presença anormal e recuou. Estava encurralada por dois carros e uma parede. Não havia muito mais que fazer. Esticou a mão, queria sentir o que estava ali. Era algo irreconhecível, não identificava a textura nem a forma. Recolheu a mão e gritou de pavor. A mulher dos saltos altos encolheu-se e deitou-se no chão como uma criança desprotegida. Chorava e gritava, não conseguia controlar as reacções que o seu corpo estava a ter face àquela angustia, àquele medo todo. A visão voltou. Abriu os olhos e levantou-se rapidamente. Já não estava ali nada. As quatro portas do carro estavam todas abertas. Perplexa, ainda demorou uns minutos a reagir fosse de que maneira fosse. Fechou as portas todas e levou a chave à ignição. Acelerou como nunca antes, e escapou finalmente para o mundo de outros que, assim como ela, estavam atrás de um volante. Ainda assustada e confusa, a mulher dos saltos altos carregava no acelerador como podia e fugia sem saber do quê. Sem se preocupar com nada, entrou num cruzamentos sem olhar para o semáforo. Um camião embate na mulher dos saltos altos. O outro condutor ainda tentou evitar a colisão mas fora impossível. Ferida, vai processando o sucedido. Está assustada mas o mais assustador continua a ser o que não se pode ver.

1 comentário:

Gonçalo disse...

Já tinha saudades destas tuas magnificas historia susanana :D