4.7.10

Paralelismo

Noite de verão, bar do senhor António, três e um quarto da manhã. Naquele momento a miscelânea de bebidas alcoólicas pareceu-lhe boa ideia, a cabeça estava inicialmente leve e a língua começara a enrolar. Avisara as pessoas que ali estavam que ia andando para casa, amigos que nada se ralaram se ela estaria pouco ou muito bêbeda. Atrapalhada, empurrou a porta de saída tropeçando no pequeno degrau gasto de tanto ser pontapeado. À deriva na escuridão alguém apareceu, alguém que fazia parte de algo muito importante da sua vida. Um rapaz, não muito belo segundo as normas da sociedade, normal talvez, parou à sua frente olhando-a fixamente nos olhos. "Quando te beijei os teus lábios sabiam a sangue", disse-lhe ela. "Quando te tive senti-te morta", ripostou ele sem desviar os seus olhos castanhos escuros, quase negros, bonitos e característicos. "Olá, eu sou a Helena" disse com a voz trémula, "Rodrigo" apresentou-se ele esticando a mão. Não sabiam o que fazer, ela ainda duvidava estar mesmo a conhecê-lo ali, já que tinha tanto álcool no sangue. Rodrigo, o rapaz dos olhos negros, levou as mãos ao pescoço e tirou o seu colar modesto com um pendente preto. Suavemente agarrou na mão de Helena e ofereceu-lhe aquele fio como se dissesse que queria ser lembrado. Ambos partilhavam o mesmo pensamento; não se iriam voltar a ver porque era o correcto. Afastaram-se sem certezas de terem feito a escolha certa. Há outro lado onde a vida leva outro rumo, onde as coisas que não acontecem aqui acabam por acontecer lá. E se eles repetissem aqui o que aconteceu do outro lado? A que sabiam os lábios e o que se sentia no toque? Helena, cambaleando até casa, chegou e agarrou numa garrafa de moscatel barato. Levou a garrafa à boca e olhou para a caixa de comprimidos em cima da mesa da sala. Pelos vistos esta vida iria acabar assim, infeliz.

1 comentário:

Gonçalo disse...

WoW..susana tu sabes o quanto eu gosto destas historias :)

bjo grande mto bom mesmo!!