8.3.11

Ensaio sobre a insónia

Está em branco. Branco. Branco. Branco. As noites mal passadas e os dias de sobrevivente começam a ser um terrível hábito a suportar. Os seus olhos, se pudessem, choravam sangue de tanta pressão que está implícita naquela cabeça que dói, dói em demasia. Ao menos não é um rapaz frágil, aguenta tudo e todos. Tem uma personalidade forte e é fisicamente resistente aos obstáculos que o corpo lhe impõe. A cabeça não desliga, nunca. Depois de mais uma noite solitária no mundo dos acordados, entre aquelas quatro paredes, outra dor de cabeça aperta. Levanta-se a muito custo daquela cama que parece não o querer deixar ir para continuar com a sua tortura. Sente dor nos músculos para além das habituais dores de cabeça. A sua mente está estranha, quase como que na linha entre a realidade e a ficção. Por pouco não as sabe distinguir. Vai ser um dia longo. Vagueia pela rua com o seu olhar morto e vazio. Do outro lado da rua um outro rapaz chama o seu nome. A voz ecoa na sua cabeça, está demasiado distraído para dar a devida atenção. Não consegue ter controlo da sua expressão facial, não aparenta ser alguém amigável. Entrou no comboio das 9h22. Sentia toda a gente a observá-lo. Estava incomodado. A mão que agarrava no varão do comboio começara a escorregar do suor originado pela preocupação de algo estar errado. Talvez estivesse paranóico por não ter descansado o cérebro, pensou. Saiu, quase cambaleando, da estação de comboios. Decidiu parar num café para tomar o seu pequeno almoço. Na mesa da frente estava aquela rapariga com quem ele desejara ter coragem para trocar mais palavras que um simples olá. Olhou para ele e sorriu em jeito de cumprimento. Voltou à sua leitura. O rapaz, desapontado e resignado, dirigiu-se ao balcão para fazer o seu pedido. Reparou que a rapariga se tinha levantado para ir à casa de banho. Nem pensou duas vezes, seguiu-a. Entrou com ela, deixando-a admirada. Fechou a porta, fechou os olhos e beijou-a. Não tinha coragem se estivesse na sua perfeita consciência. Afastara lentamente os lábios, ainda com os seus braços a encurralá-la contra a parede. Abrira os olhos. Questionou-se de imediato quem tinha acabado de beijar. Não era a rapariga da mesa da frente a ler um livro e que lhe preenchia as noites sem sono. Havia-se precipitado. Era uma estranha que estranhamente o tinha correspondido. Saiu a correr. A sua cabeça penava. Um carro apitara na esperança de não atropelar o rapaz. Tinha saído do seu percurso da calçada. Ele não estava bem. Era como se tivesse uma venda nos olhos durante o dia e à noite ela caísse. Agora, ao andar na rua por entre todos os outros seres nas suas rotinas diárias, sentia estar entre fantasmas. Todos a caminhar para qualquer lado nas suas vidinhas. Todos com um olhar igualmente vazio, infeliz. O rapaz parou. Esfregou os olhos e sentou-se no chão. Já não sabia onde estava nem para onde ia. "Bang!", um som estrondoso e assustador acorda o rapaz. Estava no seu quarto, deitado na sua cama. Havia sido o primeiro sono decente feito em meses. Olhou para o braço direito e viu sangue. Uma bala perdida, vinda do mundo complicado lá fora, tinha entrado pela sua janela. Nunca mais voltou a dormir.

2 comentários:

Gonçalo disse...

Já á muito tempo que não escrevias um texto destes maravilhosos :)

Rapaz à Chuva disse...

O final surpreendeu-me bastante.
A leitura também foi bastante fácil e agradável.

"Era como se tivesse uma venda nos olhos durante o dia e à noite ela caísse."

Gostei muito desta descrição.
Não digo para "continuares assim", porque quero ler mais e cada vez melhor.
= )