11.10.10

Terminal

Queima! A chuva ácida e suja da cidade vermelha, uma cidade quase deserta deste planeta moribundo. Quatro criaturas fogem para uma das pequenas vivendas já sem donos. Humanos, provavelmente os últimos, os resistentes, os que mais sofrem (matem-se). Não há mais comida, a terra já não está fértil para cultivar. O homem grisalho puxa o marido para si. Ao menos já não restam muitos mentecaptos para os julgar. Sentam-se no sofá velho e húmido com os olhares vazios, já com as esperanças podres. Irão amar-se até ao fim, que está tão perto. A vasculhar freneticamente o frigorífico, está o rapazinho das botas pretas. Já perdeu a conta dos dias que não come. A mãe já cá não está, apenas a mulher dos olhos verdes que adoptou logo um instinto maternal. O homem grisalho, larga a mão do amado e, quase como a arrastar-se, vai em direcção à janela das grades prateadas. Vê pelo menos dois corpos a apodrecerem nas valetas da estrada. "Foi-nos dado tanto e aproveitámos tão pouco. Vivemos tão mal uns com os outros, e porquê?" pensa desolado. Já não vale a pena lamentar, acabou. O rapazinho das botas pretas foi obrigado a amadurecer depressa. Ausentou-se da sala, dando a entender que a retirada servia para usar a casa de banho. Chegou à cozinha e pela porta traseira dirigiu-se para o quintal. Sentia na pele a chuva a queimar. Chora, chora, chora e, com aquela expressão de desespero, larga o corpo no chão. Dali não se mexe mais, e vai continuar a chorar, até que o corpo não aguente mais. Na sala, já ninguém tem mais forças, já nenhum deles imagina um "felizes para sempre". Nada dizem, estão fracos e doentes. A mulher dos olhos verdes tem, na sua mão ferida e maltratada, a carteira de marca, já suja e rasgada, que tanto dinheiro juntou para a comprar. E para quê? Para estar agora a lutar pela sobrevivência com uma carteira de cabedal que custou 120 euros? Uma carteira que matou outro ser vivo. Ser esse que podia ainda ter aproveitado os anos saudáveis do planeta azul. Agora o mais importante encontrava-se lá dentro, as suas memórias fotográficas do marido e das filhas. A dor emocional tornara-se insuportável. É o fim, para todos eles. O marido do homem grisalho já há muito tempo que enlouquecera, e como todos os outros a sua saúde física já se encontra demasiado débil. O rapazinho das botas pretas provavelmente já está morto. Há tanto tempo que está lá fora, sem ninguém se aperceber. A mulher dos olhos verdes enfiou-se na banheira vazia, fechou os olhos sem intenções de os voltar a abrir. O homem grisalho estava agora apático, para sempre, e a olhar para o vazio da destruição do que restava. Desistiram, mas são tantas as memórias daqueles que viram o mundo morrer.

1 comentário:

Gonçalo disse...

susanaaaa...adorei mesmo esta :D

buebuebue boa e emocionante :)

bjo**