23.3.10

Moldei-te como quis

Aquele cheiro a café e a torradas queimadas faz com que ela perceba que é mais um dia a começar, "sim, acordaste". Hoje não tem nada para fazer, olha para a estante do quarto e decide agarrar num livro para levar e ler sentada na relva passando um tempinho consigo própria, "a tua imaginação não chega para mais? Vou ser uma pessoa profunda e sentar-me na relva a ler Robin Cook enquanto sinto o vento na cara e penso na vida... uau, és tão comum".
Os raios do sol estão fortes, encadeiam-na, deseja mais que nunca não ter deixado os óculos de sol em casa, "volta para trás". A decisão é definitiva. Vai entrar naquele comboio e sentar-se naquele jardim. Deseja tanto estar sozinha, sentir-se culta e normal. É tão grande aquele espaço verde. Cães e crianças de um lado para o outro com a felicidade estampada na cara "não pertences aqui".
No fundo não quer estar sozinha, não se sente única. Deseja tanto que apareça uma cara familiar, que se sente ao lado dela e a faça ganhar o dia, "Robin quê? Ainda nem passaste do primeiro parágrafo. Vai-te embora daqui".
Ele aproxima-se dela.
- Finalmente chegaste. Estávamos à tua espera. Aqui completas-te.
- Nunca. Oiço uma voz que nunca vai desaparecer. Vou ter sempre ruídos mentais que não servem para nada.
- Enganas-te. A tua vida anterior acabou. A voz morreu hoje. Repara onde estás.
- Céu?
- No céu? Isso não existe. Na tua vida anterior essa palavra servia para racionalizar. Isto não tem descrição. Estás aqui, ponto final.
- E devo racionalizar com palavras concretas o que vem agora? Depois da minha chamada "vida anterior"?
- Não. Só tens de saber que tiveste uma vida anterior. O "agora" é uma novidade. Eu sou uma novidade e não tens de racionalizar de onde vim, quem sou, e o que faço neste lugar. Cala as palavras dispensáveis.
- Gosto de te sentir perto de mim. Conheço-te?
- Sim.

1 comentário:

C disse...

Também detesto as fugurinhas dos namorados nos bancos de jardim, jamais serei uma delas! (isso era um sonho?mais uma coisa sem sentido, mas que gostei, e sem motivo aparente fez-me sorrir)